Crônica: Memórias da Festa de São Geraldo em Poço de José de Moura

12 out 2025 - Notícias

Ao passar pela Igreja de São Geraldo Majella, em Poço de José de Moura, um mar de lembranças me envolveu. Lembrei-me particularmente da minha avó, Dona Mundeira, uma mulher de profunda devoção e tradição, tal como o povo de sua terra. Naquela cidade, a religiosidade continua sendo a manifestação mais intensa da identidade de um povo.

A igreja é encantadora, com traços barrocos em sua arquitetura, erguida como símbolo e testemunho do tempo. Todos os anos, íamos à festa em honra ao padroeiro, e eu sempre me impressionava com a multidão em procissão, entoando cânticos e rezando. O som do emblemático sino ainda permanece em minha memória auditiva, ressoando como uma prece antiga.

Também existia a Gruta das Promessas, provavelmente o lugar mais representativo. Um pequeno santuário rústico, construído em pedra, onde a fé se tornava íntima e pessoal. Ali as pessoas deixavam as suas súplicas, angústias, aflições, além de fotografias, fitas e objetos que simbolizavam as bênçãos alcançadas. Cada vela acesa era sinal de um voto silencioso, um ato de agradecimento ou um apelo desesperado. O lugar existia porque a fé precisava ser tocada.

Os festejos, no entanto, não viviam apenas da devoção silenciosa. Passada a parte religiosa, o fervor das famílias tomava as ruas numa alegria só. Era a festa social: a celebração da vida e da união.

Nesse ambiente festivo, as crianças corriam em disparada, com os olhos fixos nas barracas de brinquedos. Eram tempos de encanto simples, quando quase tudo era artesanal, com a magia do feito à mão. Havia pequenos carros de madeira e, para a diversão da criançada, o rói-rói, engenhoca sonora cujo zunido rodopiante enchia o ar. Aquele era o universo que os pais podiam oferecer aos seus filhos, com o carinho e a beleza da simplicidade.

Mas há momentos que não se contentam em passar; pedem eternidade. Os monóculos fotográficos cumpriam esse papel. Miúdos, que cabiam na mão, tinham o condão de congelar um instante feliz. À contraluz, revelavam imagens como se abrissem janelas para o passado.

As fotos eram feitas em cenários improvisados, sempre montados na própria rua: um pano estendido como fundo, um ou dois bancos de madeira e, às vezes, um cavalo enfeitado para a pose das crianças. Todos iam se ajeitando, lado a lado, para um retrato simples, mas cheio de significado. Um clique rápido e o resultado se tornava uma relíquia.

Assim, a cada ano, a festa de São Geraldo juntava gente das cidades vizinhas. Uns iam pela fé; outros, pelas promessas feitas; e havia ainda quem fosse pelo simples desejo de estar juntos. No fim de tudo, descobria-se que a maior graça estava em partilhar: fosse a rua, a procissão, o brinquedo ou a fotografia. A vida é, senão, um mosaico de momentos que só ganham sentido quando vividos em comunidade.

*Crônica publicada na Coletânea Imortais VIII, da Editora Alternativa. O lançamento da obra ocorrerá no dia 15 de novembro, em Porto Alegre/RS.

*Antonio Filho é pós-graduado em jornalismo e autor do livro “Conexões que Transformam” (UICLAP) e coautor nas antologias “Brasil em Todos os Cantos” (Literarte) e “Vivências: memórias que o tempo não apaga” (Editora Articule).