Crônica: Memórias da Festa de São Geraldo em Poço de José de Moura
Ao passar pela Igreja de São Geraldo Majella, em Poço de José de Moura, um mar de lembranças me envolveu. Lembrei-me particularmente da minha avó, Dona Mundeira, uma mulher de profunda devoção e tradição, tal como o povo de sua terra. Naquela cidade, a religiosidade continua sendo a manifestação mais intensa da identidade de um povo.
A igreja é encantadora, com traços barrocos em sua arquitetura, erguida como símbolo e testemunho do tempo. Todos os anos, íamos à festa em honra ao padroeiro, e eu sempre me impressionava com a multidão em procissão, entoando cânticos e rezando. O som do emblemático sino ainda permanece em minha memória auditiva, ressoando como uma prece antiga.
Também existia a Gruta das Promessas, provavelmente o lugar mais representativo. Um pequeno santuário rústico, construído em pedra, onde a fé se tornava íntima e pessoal. Ali as pessoas deixavam as suas súplicas, angústias, aflições, além de fotografias, fitas e objetos que simbolizavam as bênçãos alcançadas. Cada vela acesa era sinal de um voto silencioso, um ato de agradecimento ou um apelo desesperado. O lugar existia porque a fé precisava ser tocada.
Os festejos, no entanto, não viviam apenas da devoção silenciosa. Passada a parte religiosa, o fervor das famílias tomava as ruas numa alegria só. Era a festa social: a celebração da vida e da união.
Nesse ambiente festivo, as crianças corriam em disparada, com os olhos fixos nas barracas de brinquedos. Eram tempos de encanto simples, quando quase tudo era artesanal, com a magia do feito à mão. Havia pequenos carros de madeira e, para a diversão da criançada, o rói-rói, engenhoca sonora cujo zunido rodopiante enchia o ar. Aquele era o universo que os pais podiam oferecer aos seus filhos, com o carinho e a beleza da simplicidade.
Mas há momentos que não se contentam em passar; pedem eternidade. Os monóculos fotográficos cumpriam esse papel. Miúdos, que cabiam na mão, tinham o condão de congelar um instante feliz. À contraluz, revelavam imagens como se abrissem janelas para o passado.
As fotos eram feitas em cenários improvisados, sempre montados na própria rua: um pano estendido como fundo, um ou dois bancos de madeira e, às vezes, um cavalo enfeitado para a pose das crianças. Todos iam se ajeitando, lado a lado, para um retrato simples, mas cheio de significado. Um clique rápido e o resultado se tornava uma relíquia.
Assim, a cada ano, a festa de São Geraldo juntava gente das cidades vizinhas. Uns iam pela fé; outros, pelas promessas feitas; e havia ainda quem fosse pelo simples desejo de estar juntos. No fim de tudo, descobria-se que a maior graça estava em partilhar: fosse a rua, a procissão, o brinquedo ou a fotografia. A vida é, senão, um mosaico de momentos que só ganham sentido quando vividos em comunidade.
*Crônica publicada na Coletânea Imortais VIII, da Editora Alternativa. O lançamento da obra ocorrerá no dia 15 de novembro, em Porto Alegre/RS.
*Antonio Filho é pós-graduado em jornalismo e autor do livro “Conexões que Transformam” (UICLAP) e coautor nas antologias “Brasil em Todos os Cantos” (Literarte) e “Vivências: memórias que o tempo não apaga” (Editora Articule).





